Texto extraído do ensaio de psicologia:
Psicologia da Ciência de Morrer: Processos do Luto Social e do Luto Psíquico
Autor: Adão José Gonçalves da Cruz
Psicologia da Ciência de Morrer – parte 1
Os Processos de Luto: Social e Psíquico
Muitos psicólogos e profissionais em pedagogia afirmam que a criança sofre fortes influências do processo de luto dos adultos pelo nível de informações que ela recebe. Informações camufladas e obscuras, como dizer que a pessoa foi morar no céu, que foi abduzida ou que a fada veio buscar atrapalham o processo de luto da criança.
Muitos pais e educadores disfarçam o caráter de permanência do processo post mortem, p.ex., dizer para a criança que a “pessoa foi viajar” não permite que a elaboração da perda ocorra, porque a criança vai esperar a volta da “pessoa que viajou”. Outro aspecto que destacamos é o fato de alguns pais esconderem os seus sentimentos para não entristecer a criança. Isso pode causar problemas, pois, a criança sente que também não precisa manifestar seus sentimentos; todavia, a criança passa pelas mesmas fases do luto que o adulto.
O processo de luto é possível ser ameno, desde que a criança esteja de posse dos esclarecimentos de que necessita e que devem ser fornecidos levando-se em consideração o seu nível cognitivo e sua capacidade de compreensão.
De acordo com o período de desenvolvimento, a criança constrói diferentes representações de morte. À medida que a criança se desenvolve, entra em contato com outras situações do processo post mortem, p.ex., a morte de um animal doméstico de estimação, de uma pessoa conhecida ou alguém da família, pois, tenta se envolver criando hipóteses e arguindo os adultos sobre o evento.
A criança percebe parte do processo da morte humana ou do animal de estimação pela ausência da pessoa ou do animal. Quando presente, pela cessação de algumas funções vitais como se alimentar, respirar e pela temperatura corporal da pessoa ou do animal; pela cessação de algumas funções sociais como a ausência na hora de almoçar ou jantar com a pessoa querida, ou alimentar o animal de estimação, pois na sua concepção a morte pode ser reversível devido ao seu “pensamento mágico e onipotente”.
A criança pode pensar e sentir ser responsável pela morte do outro e pode culpar-se por isso, p.ex., quando brigou com alguém ou desejou-lhe mal e depois a pessoa veio a falecer. Já as crianças escolares parecem buscar aspectos perceptivos, como a imobilidade; definir a ausência pela morte, pois quando no estágio escolar o processo post mortem começa ser percebido como irreversível.
Muitos adolescentes parecem reconhecer o processo post mortem como um processo interno, pois implica parada de atividades do corpo físico. Percebem-no como universal. Frente à postura dos adolescentes de onipotência, força, impulso e desafio, a morte pode ser vista como fracasso, derrota, incompetência e imperícia. Para muitos adolescentes parece não haver espaço e tempo para a morte.
Por outro lado, o processo post mortem na concepção dos adultos tem diferentes concepções no decorrer do seu desenvolvimento ou ciclo vital. O adulto jovem gasta muitas energias na construção dos seus principais papéis sociais e da consolidação da intimidade afetiva. Parece não haver espaço e tempo para a morte, pois, não há como pensar em morte em plena fase de realizações, para viajar, casar-se, ter filhos etc.
Assim, o espaço da morte na consciência do adolescente e do adulto jovem ainda é muito distante nessa fase da vida. Na meia-idade, a morte não se configura mais como algo que acontece somente aos outros, pois parece ser a primeira vez no ciclo vital que o indivíduo se depara com a finitude da sua vida.
A possibilidade da própria morte traz novo significado para a vida: o limite está lá, para ser conhecido e admitido. Na velhice é importante verificar onde é colocada a ênfase da existência: na vida ou na morte. O indivíduo deve estar preparado para esta fase da vida, pois a morte faz parte do processo vital do ser humano. A morte como limite físico, material, pode ajudar no amadurecimento da vida interna; todavia, a morte vivenciada como limite também traz dor, perda, solidão e tristeza.
Por exemplo, a morte em vida, como a separação é uma experiência universal que todas as pessoas conhecem e vivem desde a infância, mas nem por isso é uma vivência fácil. Na separação dos casais, na separação familiar por diferentes motivos (mudança, doença, judicial etc.), pode se tornar uma das maiores dificuldades, pois elaborar o “divórcio emocional”, ou seja, afastar-se do outro dentro de si e aceitar que a pessoa amada morreu dentro do outro, mesmo em vida, é muito doloroso. Nesse processo envolve vários sentimentos ambivalentes, como amor e ódio.
Além disso, há uma série de mortes presentes e lutos a serem elaborados, como alteração no padrão social e econômico, eventual mudança de residência, alterar sua rede social (física e virtual), alteração de identidade de gênero etc. Alguns mecanismos de defesa podem ser acionados em caso de separação, p.ex., agressividade (ódio, raiva, desvalorização), indiferença (pouco importa), fuga para adiante (mantendo várias atividades profissionais, de lazer ou sociais), estoicismo (conformação, resignação).
O luto precisa ser elaborado no processo de separação, pois do contrário o casal não conseguirá se separar de fato, porque muitas vezes passam a viver a morte em vida, já que ficam estagnados e não se reorganizam frente à nova situação do processo de luto. Disputas judiciais, na área de família são alicerçadas em lutos não resolvidos. Alguma doença física ou mental pode propiciar o contato do indivíduo com a sua finitude, embora nem sempre corresponda com a realidade.
O processo post mortem pode aparecer enquanto diminuição das funções, dificuldade para a realização de atividades ou interrupção da carreira profissional. A morte social pode ser vivida a partir do afastamento de amigos, por não saberem conviver com uma determinada limitação. É quando esses amigos se afastam do convívio diário (físico e virtual). A hospitalização da pessoa querida e amada pode ser sentida como uma morte ligada ao afastamento da casa, da família e sentida como uma invasão de privacidade e solidão.
Pelos estudos, DE-FARIAS (2010) em “Análise Comportamental Clínica - Capítulo 19 - O Medo de Morte na Infância”:
“[...]. Quando alguém morre, além de sentir a perda da pessoa, a criança geralmente fica com medo de morrer e de que outras pessoas próximas possam morrer também. Ela pode ficar assustada e insegura, sentir-se triste e impotente. Ela precisa de apoio, amor e estrutura em sua rotina diária. De acordo com a história de aprendizagem da criança, ela pode ainda não compreender o que é a morte e nem conseguir nomear e identificar os sentimentos relacionados à perda e ao luto. [...]. É importante, respeitando as idiossincrasias de cada família, que a criança participe do processo de luto (p. ex., ir ao velório, ir ao enterro, confortar os adultos enlutados, levar flores para o altar, fazer um desenho da pessoa para colocar no caixão, levar flores no cemitério e/ou assinar o livro de agradecimentos), sem obrigá-la, para aprender a lidar com a perda [...]. Proteger a criança de enfrentar o processo de luto e da possibilidade de apresentar sentimentos (tristeza, medo, raiva) referentes à perda pode aumentar, em longo prazo, a ocorrência de comportamentos de fuga e esquiva em situações futuras que envolverão perda e, em curto prazo, aumentar a confusão da criança perante a situação de perda. [...]. O processo de luto pela perda de um ente querido varia conforme a cultura, os valores e os costumes de um determinado local e, em nossa sociedade, esses são considerados momentos difíceis, independente do modo como informam a criança e fazem-na com que participe de todo o processo. [...]”
Quando esses processos são observados e tratados num ambiente acolhedor, como a psicoterapia, pode contribuir favoravelmente com o processo de experiências, pela ausência do outro, da pessoa amada. Diante desse furacão de sentimentos e pensamentos é necessário conhecer a diferença entre o processo de luto social e o processo de luto psíquico.
Psicologia da Ciência de Morrer – parte 2
Processos de Luto Social e Processos de Luto Psíquico
Conseguir lidar com o luto social e com o luto psíquico ainda são tabus para muita gente. O processo de luto vai acontecer sempre que esses eventos ocorrerem; todavia, isso faz parte dos processos da vida do ser humano, aprender lidar com a perda individual e coletiva.
Luto social: saber lidar com a perda da coisa material e da condição sociocultural e financeira.
Luto psíquico: saber lidar com o comportamento de pessoas pela perda de familiares, amigos e pessoas conhecidas (afastamento e morte); perda de pensamentos, sentimentos e emoções ou algo dessa natureza; perda de animais de estimação.
Todas as pessoas lidam com perdas em algum momento da vida, pois, como somos seres humanos temos percepção, sentimento e emoção pelos nossos ajuntamentos com coisas e pessoas naturais e artificiais. Mesmo assim, nem sempre é uma tarefa fácil.
Dependendo do que se perde, o luto pode parecer ser grande demais para suportar, causando tristeza e tristeza profunda (depressão), pois, provoca reações e emoções muitas vezes difíceis de controlar.
Entretanto, falar sobre o luto, reconhecer e saber lidar com todas as suas possíveis interfaces, ou seja, negação, raiva, barganha, depressão e aceitação é importante para que se tenha consciência desse processo quando acontecer com você, com seus familiares, amigos etc., a fim de mitigar o sofrimento quando houver alguma perda e esses sentimentos vierem.
Mas afinal o que é o luto? O luto é um evento inerente e intrínseco a qualquer ser humano. Esse processo ocorre quando algum vínculo afetivo é rompido de forma abrupta e geralmente está associado à perda (pelo menos) de uma pessoa querida. Entretanto, o luto também pode ocorrer pelo término de um relacionamento amoroso, perda da profissão, posição social, por exemplo.
As fases do processo de luto podem ser compostas pelas seguintes etapas: negação, raiva, barganha, tristeza, depressão e aceitação, fazendo com que a pessoa passe por longo processo até a cura daquela dor. Por isso, não é incomum ver pessoas que estão em luto, chorando demasiadamente e fazendo perguntas como: por que isso aconteceu comigo? Isso é justo nesse momento da vida? etc.
Por exemplo, pode ocorrer alguma perda momentânea, gerando a perda de interesse pelo dia a dia e atraindo sentimentos negativos, pela raiva, frustração e culpa, além de ansiedade, irritabilidade e medo.
Passar pelo processo de luto e suas fases faz parte dos processos da vida; todavia, não sendo saudável evitá-lo distraindo-se e fingindo que esse processo não existe, pois, isso pode ocultar algum sentimento que poderá vir mais tarde numa interface de complexo. No entanto, quando isso se perdura demais pode ser o momento de procurar ajuda profissional para conseguir recuperar o bem-estar e ânimo para a vida, pois, a pessoa pode estar numa fase profunda de luto psíquico.
Assim como são as emoções, cada pessoa vive social e psicologicamente o processo de luto à sua maneira. Cada pessoa tem a sua própria experiência, forma de sentir esse processo e passar pelo luto, pela interferência da sua personalidade (ver diagrama I). Há quem chore mais, quem chore menos; quem se revolte, quem se aquiete.
O importante é passar pelas fases de forma equânime, pois se passar por todas elas (o que não é uma regra), algum tempo depois, a pessoa pode superar as fases do processo de luto:
Fase de negação: a primeira reação esperada a alguma perda é negar que ela ocorreu. Rejeitamos o fato de dizemos a nós mesmos que aquilo não aconteceu, que é um pesadelo, ou que aquilo era impossível de se suceder. Esta acaba sendo a reação natural da nossa emoção para protegermo-nos da dor. Recusamo-nos a acreditar, pois aquilo traria sofrimento, portanto, rejeita-se aquela realidade.
Fase de raiva: quando começa a assimilação do fato como sendo verdade, superando a negação, outros sentimentos tendem a povoar as emoções do enlutado, chegando à culpa, medo, angústia e raiva. A pessoa tende a revoltar-se por aquilo ter acontecido, já que, por mais que possa aceitar, ainda vê o ocorrido como algo “injusto” e que ninguém fez nada para que aquele desfecho mudasse (talvez nem ela mesma).
Então, a pessoa pode martirizar-se sobre ações que poderiam direcionar para diferente fase da vida, gerando grandes angústias. Pode ocorrer estado mental alienado da realidade, que dependendo da personalidade, a pessoa pode parecer incontrolável, com atitudes de autodepreciação ou autodestruição.
Fase de barganha: na terceira fase do luto, há uma tentativa desesperada de reaver aquilo que foi perdido. É quando a pessoa tende a retomar um pouco de consciência e pensar o que ela pode fazer para mudar aquela situação de alguma forma.
No caso de morte, há uma tentativa de pedir a pessoa de volta para “entidades divinas” ou “forças superiores” de diferentes religiões ou seitas. Em término de relacionamento, a pessoa tende a tentar falar com o parceiro ou parceira ou ainda procurar pessoas próximas a ele ou ela para tentar encontrar uma forma de reverter a situação. Promete-se coisas, através de comportamentos ou ações futuras em troca do que se perdeu.
Fase de tristeza (ou depressão): para exemplificar as etapas do luto, é como uma escada, a primeira fase seria um degrau alto e a depressão (ou tristeza profunda) o seu degrau mais baixo. É nesta fase que a pessoa tende a assimilar muito mais a tristeza, que pode durar dias ou semanas. É aqui que a dor e o sentimento da perda são revividos diariamente nas lembranças, objetos e atitudes. Encara-se o vazio da perda e os sentimentos de solidão e tristeza profunda (depressão), pois costumam estar presentes.
Na depressão e na tristeza do luto, pode haver um afastamento de pessoas queridas e de atividades que davam algum prazer. Também pode haver alterações de sono e apetite, dependendo da personalidade do paciente. É quando o vazio da perda se transforma em lágrimas internas (lamentar) ou externas (chorar).
Dependendo do histórico da pessoa em processo de luto ou da proporção da perda, a ajuda profissional se torna necessária, a fim de promover melhor convivência com aquela dor e mitigar a possibilidade do surgimento de um quadro de transtorno depressivo. O apoio de amigos e familiares, de modo gentil e próximo é muito importante. Todavia, é preciso conhecer a diferença entre tristeza e depressão (tristeza profunda) e suas possíveis causas e reações bem como o tratamento dessas causas.
Fase de aceitação: considera-se como sendo a última fase do luto (psíquico e social), pois, sinaliza o momento de seguir em frente definitivamente. É quando a pessoa percebe que não vai mais conseguir voltar no tempo e ter de novo aquilo que perdeu; mas, que vai viver sua vida sem aquela importante presença ou condição social. Não esquecendo da companhia ou das coisas boas, pois, convivendo com o sentimento de perda com muito carinho na memória, mas conseguindo seguir sua vida.
É normal que mesmo após a aceitação venham lembranças, alguma tristeza momentânea, saudades; todavia, nada que paralise a pessoa. Aqui, é quando se aceita a perda de uma vez por todas e vive-se com isso. Por exemplo, como um ferimento que antes estava aberto, mas que cicatrizou e não causa dores involuntárias nem profundas, mesmo marcando presença.
Estar preparado para as perdas não é deixar de senti-las quando elas chegarem, mas é estar ciente de seus sentimentos por si mesmo e pelos outros, do seu lugar no mundo e que você é uma pessoa que segue a sua vida, colecionando lembranças e memórias, compartilhando os momentos vividos com outras pessoas.
Existem pessoas mais sensíveis ao processo de luto, mas o luto sempre vai existir e a sociedade precisa falar sobre isso, até mesmo para saber quando a pessoa deve procurar ajuda, pois esse processo pode se tornar duradouro e pesado demais, o que pode indicar uma depressão. Nessa fase, na maioria das vezes, a pessoa precisa de ajuda profissional.